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As Pessoas São Bons Estatísticos Intuitivos?
14 Dec 2021

As Pessoas São Bons Estatísticos Intuitivos?

O livro Rápido e Devagar duas Formas de Pensar do psicólogo e teórico da economia comportamental Daniel Kahneman é, sem exageros, um daqueles livros que te ajudam a expandir sua visão de mundo.

Sempre tive um pé atrás com psicólogos pelo fato de trabalharem diretamente com o subjetivo e eu, que flerto mais com áreas exatas, nunca me senti muito à vontade com afirmativas em cima de ambíguos comportamentos humanos.

Mas é claro, a psicologia é uma ciência e muitas de suas correntes se valem muito de técnicas estatísticas para embasar seus argumentos.

Em seu livro, Kahneman nos presenteia com um arsenal de conceitos que nos ajudam a entender vieses do pensamento humano como: efeito halo, efeito dotação, efeito de ancoragem, enquadramento estreito, vieses de disponibilidade, ilusão de validade, etc.

Porem este artigo não pretende servir como resumo de todos estes conceitos que são apresentados no livro mas sim destacar partes do mesmo onde se vê a estatística e a probabilidade sendo usadas como fonte de argumentos, como inspiração para dar nome a novos conceitos da psicologia comportamental e até mesmo como experimentos psicológicos.

Inclusive, na introdução do livro, Kahneman revela que muitos dos conceitos apresentados no livro são resultado de pesquisas feitas com o objetivo de responder a seguinte questão:

“As pessoas são bons estatísticos intuitivos?” — pg. 11

E aí, o que você acha?

obs: todas as indicações de páginas neste artigo se referem as páginas do livro Rápido e Devagar duas Formas de Pensar.

Crença na Lei dos Pequenos Números

“Planejo manter os resultados em segredo até termos uma amostra suficientemente grande. De outro modo, vamos enfrentar pressão para chegar prematuramente a uma conclusão. A amostra de observações é pequena demais para se fazer qualquer inferência. Não vamos seguir a lei dos pequenos números.” — pg. 151

Qualquer pessoa que tenha feito um curso sério de probabilidade básica já ouviu falar da Lei dos Grandes Números. Dito de grosso modo, essa lei diz que quanto maior nossa amostra aleatória, mais próximo chegaremos do valor verdadeiro da média populacional.

Em uma de suas várias parcerias com Amos Tversky, Kahneman publicou o artigo Belief in the Law of Small Numbers onde eles afirmam:

“…intuições sobre amostragem aleatória parecem satisfazer a lei dos pequenos números, que afirma que a lei dos grandes números se aplica aos números pequenos também.”

Segunda Kahneman, as pessoas tendem a acreditar que amostras pequenas se parecem muito com a população que ela foi retirada. Nosso cérebro sedento por criar justificativas causais será capaz de dar sentido ao pouco que vê.

“Uma máquina de tirar conclusões precipitadas agirá como se acreditasse na lei dos pequenos números.” — pg. 146

As implicações disso é que veremos um conselho de diretoria de uma empresa acreditar que um determinado CEO tem um “faro” extraordinário para negociações devido a três, ou quatro, negociações bem sucedidas seguidas, acreditar que um jogador de basquete que fez três cestas num jogo está com a “mão quente” e jogadores de ambos os times se adaptam a esse julgamento, pesquisadores que decidem usar uma amostra pequena demais na ânsia por resultados e a lista segue.

A Falácia da Conjunção

“Eles construíram um cenário muito complicado e insistiram em chama-lo de altamente provável. Não é! É apenas uma história plausível.” pg. 210

Segue a descrição de uma pessoa:

“Linda tem 31 anos de idade, é solteira, franca e muito inteligente. É formada em filosofia. Quando era estudante, preocupava-se profundamente com questões de descriminação e justiça social, e também participava de manifestações antinucleares.” — pg. 198

Qual alternativa a seguir é mais provável?

  • Linda é uma caixa de banco.
  • Linda é uma caixa de banco e é ativa no movimento feminista.

Essa pergunta foi feita para vários alunos em algumas das maiores universidades norte americanas e 85% deles escolheram a opção dois.

Quando alguém deixa de aplicar uma regra lógica relevante chamamos isso de falácia. Amos e Kahneman chamaram isso de falácia da conjunção, que é quando as pessoas cometem o erro de achar que a conjunção, ou intersecção, de dois eventos é mais provável do que um dos eventos.

Costuma-se introduzir um curso de probabilidade apresentando a teoria dos conjuntos e aprendemos que a probabilidade de um conjunto de eventos acontecer é maior ou igual a intersecção desse conjunto com outro conjunto qualquer. Como nem toda mulher caixa de banco é ativa no movimento feminista essa intersecção não pode ser igual a probabilidade do conjunto “mulheres caixas de banco”.

Por que as pessoas cometem esse tipo de erro lógico? Segundo Kahneman isso acontece porque as pessoas julgam baseadas em estereótipos. As pessoas acham que Linda ser caixa de banco e feminista combina mais com a descrição dela, portanto acharão mais provável a opção b do que a opção a.

Essa pessoa que vos escreve é natural de Goiás, e muitas vezes quando trago essa informação a alguém, com frequência acabo escutando algo do tipo: “você deve curtir muito sertanejo!”. O que seria mais provável?

  • Cloves é Goiano
  • Cloves é goiano e curte sertanejo.

O erro cometido em relação a estória da Linda é da mesma categoria de erro caso alguém escolhesse a opção dois da história do Cloves. Apesar de haver muitos goianos que gostam de sertanejo, nem todo goiano gosta de sertanejo.

Os resultados mais representativos (estereótipos) combinam com a descrição de personalidade de alguém para produzir histórias mais coerentes. Mas aí vem a seguinte lição:

“As histórias mais coerentes não necessariamente são as mais prováveis, mas elas são plausíveis, e as noções de coerência, plausibilidade e probabilidade são facilmente confundidas pelos incautos.“ — pg. 202

Taxas Bases Negligenciadas

Imagine a seguinte situação, que é descrita na introdução do capítulo 16 do livro:

Um táxi envolveu-se numa colisão e fugiu do local do acidente à noite. Duas companhias de táxi, a Verde e a Azul, operam na cidade. Você recebe os seguintes dados:

  • 85% dos táxis na cidade são Verdes e 15% são Azuis.
  • Uma testemunha identificou o táxi como Azul. O tribunal testou a confiabilidade da testemunha sob as circunstâncias existentes na noite do acidente e concluiu que a testemunha identificou corretamente cada uma das duas cores em 80% do tempo e falhou em 20% do tempo.

Usando seu “chutômetro”, qual é a probabilidade do táxi azul ter se envolvido no acidente?

Eu chutei 80%, minha namorada 70% e, a não ser que você seja da categoria de pessoas como meu amigo Marquinhos (ver print abaixo), você provavelmente chutou algo alto também.

Se você sabe aplicar o famoso Teorema de Bayes se divirta como eu e meu amigo Marquinhos e faça as contas, você chegará ao valor de 41,38%.

Por que as pessoas chutam alto? Segundo Kahneman:

“Taxas Base estatísticas de modo geral são subestimadas, e às vezes completamente negligenciadas, quando alguma informação específica sobre o caso em questão está disponível.” — pg. 213

No problema do táxi temos uma taxa base (15% dos táxis são azuis) e um testemunho imperfeito de uma pessoa que costuma acertar a cor de um carro durante a noite 85% das vezes.

Essas duas informações podem ser combinadas na regra de Bayes e então você obteria 41%. Mas como nosso cérebro não funciona seguindo teoremas probabilísticos, uma pessoa normal irá ignorar essa taxa base e na hora do “chute” irá se levar pelo testemunho da pessoa. Com isso, a resposta mais fornecida pelos participantes foi de 80%.

Ignorância em Relação a Regressão à Média

“Nosso processo de triagem de candidatos é bom, mas não é perfeito, então devemos esperar por regressão. Não deve nos causar surpresa que os melhores candidatos muitas vezes deixam de atender nossas expectativas.” — pg. 233

A regressão foi descoberta pelo famoso Francis Galton e publicado em 1886 num artigo intitulado Regression Towards Mediocrity in Hereditary Stature.

“A regressão à média define que em qualquer série de eventos aleatórios, há uma grande probabilidade de um acontecimento extraordinário ser seguido, em virtude puramente do acaso, por um acontecimento mais corriqueiro.” - Wikipédia

Kahneman pega emprestado esse conceito deste fenômeno estatístico e diz que as habilidades humanas costumam ficar em torno de uma média de qualidade na hora de executar uma tarefa, podendo aleatoriamente (por sorte ou azar), se saírem melhores ou piores na execução de uma tarefa (como um evento extraordinário), mas elas sempre retornarão a sua habilidade média.

Certa vez num curso que Kahneman ministrou aos instrutores de voo das Forças Aéreas de Israel, ele afirmou que elogios e recompensas rendem melhores resultados que punições. Um instrutor não concordou e disse que, por experiência própria, quando ele elogiava um cadete que havia feito um excelente pouso este mesmo cadete costumava se sair pior no próximo pouso e vice-versa.

Khaneman então argumenta:

“Ele só elogiava o cadete cujo desempenho estava muito acima da média. Mas esse cadete provavelmente teve sorte naquela tentativa particular e desse modo era provável que piorasse, independentemente de ter ou não sido elogiado.” pg. 223

O capítulo 17 do livro apresenta vários exemplos dessa categoria como a maldição do Sports Illustrated, além de discutir a correlação e regressão como “perspectivas de um mesmo conceito” e afirma:

“Nossa mente é fortemente propensa a explicações causais e não lida bem com “meras estatísticas”. — pg. 231

A Ilusão de Habilidade para Investir

“O que leva ele a crer que é mais esperto que o mercado? Será uma ilusão de habilidade?” — pg. 276

Essa é uma das partes que mais gostei pelo fato de desmascarar uma ilusão que é intrinsecamente associada ao mercado financeiro.

Presenciamos um hype nos últimos cinco anos aqui no Brasil, principalmente nos grandes centros tendo como público a nova classe média brasileira, dizendo que “qualquer um pode investir no mercado de ações”. Concordo com essa afirmação, mas só porque alguém pode investir no mercado de ações não implica que ele tenha o perfil financeiro que lhe permitirá investir pensando mais a longo ou curto prazo e além disso não é revelado as pessoas que os conselhos vindos de agências de consultoria financeira não passam de ilusões cognitivas.

Quando você vende uma ação, quem compra? Uma pessoa que tem uma opinião diferente de você!

Então Kahneman conjectura:

“…uma enorme indústria parece estar erguida predominantemente numa ilusão de habilidade.”

Os pesquisadores sabem que traders, quer eles tenham consciência disso ou não, estão disputando um jogo de azar.

Há um exemplo dado no livro que escancara essa ilusão. Daniel Kahneman certa vez precisou se apresentar para um grupo de consultores financeiros e para preparar sua palestra ele acabou recebendo um planilha contendo dados , de 8 anos seguidos, dos resultados de 25 consultores. Cada consultor recebia um bonificação anual caso atingisse determinada pontuação.

Kahneman sabia que se qualquer um daqueles 25 consultores realmente tivesse uma habilidade excepcional em investir, os resultados de seus respectivos desempenhos anuais deveriam ser consistentes no decorrer destes 8 anos.

“O diagnóstico para a existência de qualquer habilidade é a consistência de diferenças individuais nas realizações” — pg. 268

Ele então calculou os coeficientes de correlação entre as classificações a cada par de anos: ano 1 com ano 2, ano 1 com ano 3, …., ano 2 com ano 3, e assim por diante. Isso forneceu 28 coeficientes de correlação. A média das 28 correlações foi de 0,01, ou seja, praticamente zero. A empresa estava recompensando a sorte que seus consultores tiveram em um determinado ano como se estivesse recompensando habilidade.

Kahneman então conclui:

“A ilusão de habilidade é mais do que uma mera aberração individual; ela está profundamente arraigada na cultura do mundo financeiro.”

Conclusão

Depois de ler sobre todos esses vieses cognitivos que sofremos você acha que somos bons estatísticos intuitivos?

Kahneman afirma que a reposta para essa pergunta é um sim mas com ressalvas.

Espero ter deixado você com um gostinho de quero mais do livro.

Cloves Paiva

Cloves Paiva

Eu sou uma mistura de estatística, analytics, python, dataviz, front-end, javascript, literatura e música.

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